Blue - Joni Mitchell

 

Já me perguntaram qual era o meu álbum preferido e confesso que durante muito tempo não soube responder a essa pergunta. Há tantos e tão incríveis. Até que percebi que nenhum me emocionava e arrepiava tanto como o intemporal “Blue”, o quarto álbum da cantora Joni Mitchell, lançado a 22 de junho de 1971.  E celebra 50 anos este ano e por isso é mesmo uma boa ocasião para escrever sobre ele. Sempre que estou mais inquieta tenho sempre a certeza de que ouvir este álbum mais uma vez, me vai fazer sentir melhor. É um aconchego à alma. Não há uma única música do álbum que eu não goste ou que não me impressione.

O álbum foi todo escrito e produzido pela Joni Mitchell, e é mesmo considerado o seu melhor álbum, tudo graças às melodias simples e assim mais direcionadas para o folk e folk rock. É um álbum muito acústico e genuinamente fácil e agradável de ouvir apesar de não ser um álbum alegre. É também isso que me fascina neste álbum, é beleza construída a partir de uma série de momentos tristes. É a prova que a tristeza e a vulnerabilidade podem ser belas às vezes. É um álbum que reflete sobre muito sobre a intimidade, a mudança e o recomeço.

A música “All I Want” é a primeira do álbum e começa com uma guitarra acústica, que já ouvi dizer ser de James Taylor, outro cantor que admiro imenso. A verdade é que os dois namoravam na altura em que o álbum estava a ser feito. Esta música fala da inquietação que julgo que todos passamos nem que seja uma vez na vida. Da procura por algo, por ser melhor. Ainda assim acaba por ser uma canção romântica e tenho que destacar o verso “All I really really want our love to do is to bring out the best in me and in you”. Este tipo de referências são dirigidas a James Taylor. Na canção há também a frase “I want to knit you a sweater” e a verdade é que Joni Mitchell tricotou mesmo uma camisola a James Taylor. O verso final “I want to make you feel free” também me toca muito, porque amor é isso mesmo, ter liberdade para sermos nós próprios e para a outra pessoa ser ela própria.

Algumas das músicas do álbum foram também inspiradas num outro relacionamento que a cantora teve durante dois anos com Graham Nash. A segunda música “My Old Man”, por exemplo, é sobre o fim desse relacionamento. Fala da saudade que se sente quando um caminho a dois chega ao fim. Muito profunda e imensamente bonita.

A terceira música “Little Green” é talvez a mais pessoal do álbum por ser dedicada à filha de Joni Mitchell, que nasceu em 1965. Na altura Joni Mitchell tinha 20 anos, optou por dar a filha para adoção e não foi um processo fácil: além de não ter condições económicas era mãe solteira, visto que o pai da criança se recusou a assumir qualquer compromisso. Pouco depois de dar a filha para adoção Joni Mitchell começou a ter sucesso na música, e isso trouxe uma culpa enorme porque já não havia volta a dar. Ainda assim a cantora nunca deixou de preocupar com a filha e conseguiu conhecê-la em 1997, depois de a procurar durante muitos anos.

“Carey”, a quarta música do álbum fala sobre uma viagem de Joni Mitchell à Grécia, após o término da relação com Graham Nash. Esta canção é sobre Cary Raditz, um americano que Joni conheceu em Mátala, uma aldeia localizada no sul da ilha de Creta, na Grécia. A cantora já fez várias piadas em palco sobre este relacionamento inclusive. Segue-se “Blue”, talvez a música mais triste do álbum e uma das mais bonitas. Ouve-se o piano a acompanhar a voz melancólica de Joni Mitchell e eu só sinto arrepios por todo o lado. É uma música completamente dedicada à tristeza e à dor interior. A meu ver é sobre aceitar o fracasso e tentar seguir em frente. É sobre um caminho por dentro das emoções mais profundas.

A segunda metade do álbum arranca com “California” e é uma continuação da música “Carey”. Foi escrita durante o tempo em que Joni Mitchell esteve em Paris e das saudades que tem da California, dado que se sentia mais criativa lá. Fala sobre as viagens de Joni pela Europa, não só pela Grécia, mas também por França e Espanha e das saudades do aconchego casa. Mais uma vez James Taylor toca guitarra nesta música. Apesar da emoção de viajar e de conhecer novos sítios Joni nunca se esquece do que ficou para trás.

E agora a minha música preferida “This Flight Tonight”. Esta música fala sobre o arrependimento de decisões por vezes impulsivas. É dedicada a algum amor de Joni Mitchell e que a cantora deixou para trás e se arrependeu. Há uma certa esperança de que essa decisão possa ser reversível. A canção seguinte, “River”, considerada por muitos uma canção natalícia devido aos versos “It’s coming os Christmas” segue essa linha e fala mais uma vez sobre o arrependimento pelo fim de uma relação. Numa entrevista a cantora chegou a dizer que a canção é sobre assumir a responsabilidade pelo fracasso de uma relação.

Até aqui já deu para perceber que a maioria das canções é inspirada em relacionamentos amorosos. “A Case Of You” não é exceção e é uma espécie de brinde ao amor e a como este pode ser transformador na vida de uma pessoa. Terá sido inspirada nas relações amorosas com os músicos Leonard Cohen e James Taylor.

O álbum termina com “The Last Time I Saw Richard”, uma balada simples e no é fundo um resumo de todo o álbum, baseado nos altos e baixos do amor. Sendo o primeiro verso “The last time I saw Richard was Detroit in ‘68”, poderia ser uma música dedicada a Chuck Mitchell, o primeiro marido de Joni Mitchell, visto que durante os dois anos de casamento viveram em Detroit. No entanto, a cantora já respondeu que a música é baseada numa conversa intimista que teve com o cantor Patrick Sky.

No fundo, este álbum representa um ponto de viragem, a esperança no recomeço, o renascer das cinzas se assim quisermos. Representa a busca por uma identidade e também pela independência emocional da parte de Joni Mitchell. É sem dúvida um dos grandes álbuns do século XX e um marco no arranque da década de 70. Eu recomendo vivamente que este álbum seja ouvido com calma por todos, para poder ser apreciado da maneira que merece. Prometo arrepios na espinha.

 

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